sábado, 19 de outubro de 2013

Adega Tudo do Mar - Marechal Hermes


Foi meu amigo Ivan Oliveira quem me deu a dica sobre o lugar. Na ocasião foi para ressaltar especialmente o caldo de piranha servido ali. Passado algum tempo, finalmente tive oportunidade de ir conhecer.

Estava eu em Madureira quando me lembrei da Adega, o meu compromisso lá seria rápido e eu teria boa parte do dia livre, era uma Quinta-Feira. Já acomodado num ônibus para Marechal Hermes telefonei para o Ivan perguntando a direção do lugar. Passadas as coordenadas, me concentrei em alguns assuntos para tentar dissipar uma ansiedade infantil que se apodera de mim numa hora como essa. Lá ia eu sozinho, sem o anfitrião que seria o Ivan, pois, combinamos de irmos juntos um dia, com sua formidável prole, três crianças realmente bacanas.

A viagem foi curta, como eu já sabia. Ao desembarcar, ainda por conta da ansiedade que não havia sido domada, perguntei a uma senhora que estava no ônibus se ela conhecia a tal Adega, no que ela respondeu que só podia ser a do Celso, que passaria em frente e eu poderia ir com ela.

Em uma caminhada de cinco minutos fiquei sabendo um bocado sobre a Dona Yolanda. Serventuária aposentada da justiça federal, casada, sofrendo dores horríveis nos rins ultimamente, marido aposentado, também não tão bem da saúde, insatisfeita com o fim do serviço de ambulatório do Hospital Carlos Chagas e também com “a UPA que não serve de porcaria nenhuma”, mas muitíssimo orgulhosa do bairro em que mora há muitos anos. Disse: “_ Sabe meu filho, Aqui não tem essa coisa de droga não, nem de milícia, é uma área militar, e eles (os militares) não deixam isso chegar aqui não!”

Chegando ao local ela entrou comigo e logo alardeou: “_Ô Céelsu, Céelsu, olha! Esse rapaz veio me perguntar se eu conhecia uma adega assim assim, eu disse, só pode ser a do Celso, ó ele aqui, tchau, tchau, aproveita meu filho.”

Segui direitinho a recomendação da Dona Yolanda.

Àquela hora da tarde eu era o único cliente no salão, gostei daquilo, poderia fazer perguntas à vontade.

Apresentei-me ao Seu Celso e continuei de pé, falei da indicação do Ivan e logo fui informado de que não havia o caldo de piranha. A explicação pela falta me deixou feliz. Ele estava esperando o peixe chegar do Mato Grosso, que a única alternativa nesses casos seria a utilização da pasta de piranha, digamos, uma espécie de tablete destes que existem de carne, frango, picanha, porco, peixe, etc. Mas, ele descarta veementemente, não ficava bom, preferia ele mesmo trabalhar o peixe. Pronto, Seu Celso acabara de ganhar um admirador.


Antes de sentar-me, na cara de pau abri a geladeira e peguei uma cerva. Pedi que ele me sugerisse algo a comer, declinou elegantemente pedindo que eu desse uma olhada no cardápio. A primeira pedida foi rã frita acebolada. Estava ótima, fresquinha, no ponto, a carne suculentíssima se desfazendo facilmente na boca.



Terminada a rã, olhei novamente o cardápio, não resisti e pedi trilhas “sabor camarão”. Estavam uma beleza, muito boas mesmo, fritinhas no ponto, sequinhas, bem temperadas, dispensei o limão e só usei um pouco de azeite. 


Segui bebendo uma gelada e voltei a consultar o cardápio. Olhava e tornava a olhar e logo fui socorrido pela Patrícia, que trabalha lá.

“_Prove a casquinha de siri, são feitas pelo Seu Celso.”

Concordei no ato. Pouco tempo depois, pela terceira vez ouvia a campanhia de som grave avisando que o meu pedido estava pronto, eu ainda era o único cliente, as atenções estavam voltadas para mim.

Colocada sobre a mesa, fiquei encantado com o que vi. O recheio formava um pequeno morrinho com dois tons de dourado e um cheiro leve pairava sobre a mesa. Com a ponta dos dedos alisei as laterais, peguei-a com cuidado e pousei na palma de uma mão que rapidamente se encheu de calor. Voltei com a danada ao prato, suspirei. Eu olhava aquela concha verdadeiramente emocionado, sabia que algo realmente especial estava à minha frente. Peguei o garfo e rompi a crocância. O cheiro leve deu lugar a um perfume intenso de mar e temperos, olhei o recheio até então desconhecido e apreciei a fumaça se espiralando, levei o garfo à boca e me derreti antes do recheio, voltei a si e pedi outra antes mesmo da segunda garfada.



Satisfeito com as casquinhas, terminei a cerveja e comecei a fotografar os ambientes, são três, não muito grandes. A calçada faz às vezes de varanda, tem plantas altas ao longo do meio fio, ficando as laterais livres; o pequeno salão em frente ao balcão do bar; o salão lateral, onde há mais lugares, que desemboca nos fundos da casa, onde estão a cozinha e os banheiros.

Terminada a tarefa, voltei à mesa e resolvi pedir camarões, há duas versões, frito ou no vapor. Conversei com o Seu Celso e perguntei se poderia ser meia de cada já que ambas têm o mesmo preço. A resposta foi sim.

Indico com louvor o camarão no vapor, há pedacinhos de alho, cebola, pimentão e tomate.

Os camarões eu comi bebericando uma capirinha tradicional, mas com pouco açúcar.



Após os camarões já estava bem satisfeito, mas também muito empolgado com o lugar e por estar comendo tão bem. Decidimos, - eu e a caipirinha - que era hora do caldo de siri, um caldinho cairia bem com certeza, pedi.

Servido numa caneca, ele vem bem acomodado e espesso lá dentro, coroado com salpicos de coentro. Provei uma colherada e aprovei, muito bom. Continuei comendo e me deparei com um camarão, opa! Até terminar a caneca tinham sido três camarões inteiros, caramba! O caldo foi aprovado mais uma vez.



Foi uma tarde inesquecível, que não seria possível sem as pessoas que fazem dali um lugar especial. Meus agradecimentos ao Seu Celso, a Patrícia e a Dona Geralda, que é cozinheira ali há mais de vinte anos. No primeiro turno há outra cozinheira.

Aí está a Dona Geralda, moradora de Bento Ribeiro.



Um pouco mais do lugar.



Uma cabeça de onça empalhada, apenas os olhos são artificiais.


Tem uma pequena biblioteca, fique à vontade para doar livros e mesmo levar algum pra casa, mas você sabe da sua obrigação de ir devolver, né?





É impossível falar deste lugar em apenas uma visita, em breve teremos outra postagem, muito breve mesmo.

A Adega Tudo do Mar fica em Marechal Hermes, na rua general Savaget, 67. Próximo ao Hospital Carlos Chagas. Atualmente funciona de Terça à Sábado, abre as 14h e encerra as 24h. Toda Sexta-Feira rola uma seresta das 20h às 00h. Não são aceitos tickets ou cartões, só grana. O telefone é 24504411







sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Exercendo o Desapego

Exercer o desapego é um grande desafio. Deixar de ter domínio sobre algo ou alguém, demanda coragem e maturidade para lançar-se ao novo. A dificuldade da renúncia pertence única e exclusivamente ao detentor daquilo de que se deseja libertar ou libertar-se.

O desapego vai além de objetos e pessoas. Temos hábitos e convicções, que se desdobram em manias e estilo de vida. Portanto, isso significa desapegar-se de si próprio, não se engane.

Acredito que se tratando do fim de uma relação íntima ou de amizade, haverá invariavelmente duas dores e muitos pesares. Caberá ao outro a surpresa, o desalento, a dor mais forte, porém, devemos lembrar que o processo de decisão pelo qual passou o agora desinteressado pode ter sido, sim, muito doloroso também.


Quando estamos de fora e não somos atingidos pela angústia e dúvida alheia, é muito fácil emitir opinião, e muitas vezes não nos colocamos no lugar do outro, fato. Colocar em prática a alteridade é outro desafio.

Um exemplo corriqueiro é o apego das crianças com certos brinquedos preferidos. Pode ser um carrinho quebrado, uma boneca já sem pernas ou uma peteca sem penas, e daí? Ainda é importante para elas, embora não desempenhem tão bem o papel para o qual foram criados. Um dia, e isso pode levar muito tempo, a criança ou aquele que o foi, jogará aquilo fora e ainda se perguntará por que cargas d’água manteve aquilo por tanto tempo.



Há quase oito anos uso barba e bigode. Deixei-os crescer para atender um pedido especial. No começo estranhei um pouco, depois me acostumei, me adequei e logo estava apegado. Olhava com certo desdém os homens que modelavam suas barbas, deixavam-nas angulosas, cheias de salamaleques. As piores e que ainda acho horríveis são as de linha fina ao estilo bigodinho Rio x São Paulo, que é muito legal, e pra mim só combina e fica bem em velhos negros. Nem tudo é para todos, muito menos um ar marginal.

Pois bem, ultimamente vinha sendo instigado pelo meu amigo Bernardo Fantini a conhecer o “Seu Jairo”, barbeiro dos bons. Eu sempre dizia que não precisava, que o estilo já estava definido, nada de ângulos, e que o “Seu Lourival” estava dando conta, mesmo nunca lembrando que o pé era quadrado, como ele havia feito uma quinzena antes e que ainda estava lá, perceptível. O cabelo e a barba seriam sempre daquele jeito, até que um dia...

Rio de Janeiro, nove de Outubro de dois mil e treze, Rua da Conceição, Bar do Jóia, pela hora do almoço.

Olho para o Bernado e disparo: _Vamos no Seu Jairo.

_ Pô, tô cansadão, preciso torar! Bora lá em casa, dou uma torada de uma hora e basta.

_Cara, deixa disso, vamos nessa, decidi, é hoje.

Mais alguma relutância e...

Tijuca, Praça Varnhagen 7 –Loja F, Fernando Albuquerque Barbearia.

De cara descubro que o Seu Jairo é um negão de quase dois metros e bem mais jovem que eu. Sorriso farto na cara, jeitão malandreado talhado em Cavalcante e Guadalupe, de fala fácil e bem fluída, agradável até a medula e que prefere ser chamado de Jay, o hábil Bernardo criou o "Seu Jairo", sem jamais dizer como é a figura do cara, e a surpresa sempre vem à tona, todos imaginam um cara já coroa e tal. Pronto! Fui arrebatado pela figura.

Eis aí o cara.



Terminado o “trato” que ele dava ao cara da vez, vira pra mim e pergunta o que eu tinha em mente.

Eu disse que era a critério dele, não tinha pensado em nada, que estava ali disposto ao seu talento.

_Tranquilo, desde a hora em que você chegou eu vinha trabalhando um lance aqui na cabeça, já sei o que vai ser.

_Beleza cumpadre, vamos nessa.

Resultado.



Então foi isso. Me desapeguei do barbeiro antigo, permiti modelagem na barba, no corte do cabelo e até uma leve química para hidratar e dar uma soltada na carapinha. Já o pé, este continua quadrado, nisso, eu e o Seu Lourival acertamos.

Serviço:

Seu Jairo atende na Fernando Albuquerque Barbearia , Pça Varnhagen , nº 7 loja F - tel.: 21-35982072 e 35982073.
Funciona de Segunda à Sábado, mas o Seu Jairo encerra o expediente mais cedo aos Sábados. Ele dá plantão no salão da mãe lá em Guadalupe.
Fernando Albuquerque é o proprietário do lugar e profissional competente.
Por R$50,00 você faz barba, cabelo, bigode, lavagem e química se for preciso.
Rola umas cervas na faixa, seja parcimonioso!












domingo, 6 de outubro de 2013

A Busca

É difícil dizer desde quando tenho vontade de escrever e mostrar - Sempre fui assombrado pela dúvida ou agraciado por ela desde menino, pré-adolescente, adolescente, pré-adulto, e agora adulto. Assim continuarei até virar pós-menino. Seja por uma inclinação natural à Filosofia ou por ter nascido sob o signo de Gêmeos - nunca soube ao certo como, sobre, para ou por quê.

Muitas idéias vieram e se foram velozes como fogos-fátuos. Outras permaneciam boiando, aguardando resgate e atenção, que ao menos fossem transportadas para algum rascunho e deixados em algum canto tal qual fazemos com fotografias ordinárias, que jazem entre páginas de algum livro ou coisa que o valha, e que sabemos não folhearemos ou jamais tocaremos novamente, mas que nunca estavam à mão e que eu não corria para providenciar.

A impressão - não certeza - que tenho, é que estas idéias ainda estão em mim, em algum escaninho do grande arquivo-central-cerebral. Preciso chegar até ele, aspirar o pó e vasculhar os cantinhos. Mas, e se este arquivo estiver inundado? Melhor levar um escafandro. Se estiver incendiado? Não titubeio, faço as vezes do aspirador de pó e mando as cinzas narinas adentro, acreditando sempre que a droga que produzi é boa, que vai dar onda, que colocarei as coisas no papel e que você vai consumir, seja lá o que for. Daí o nome do blog: Por Todo Canto. Em cada canto - geográfico - várias coisas, até mesmo canto - sonoro - pode haver palavra, gestos, cheiros, paladares, arrepios, gozo, redenção, vingança, choro, sorriso, apreensão, devaneio, embriaguez, brasa, farelo de pão, batom quebrado, abelhas, limão, fumaça, etc. Em cada canto pode haver uma só coisa, sim, e podemos inventar caso só haja o canto, o que é o primordial. O canto é a possibilidade, é tangível, é macro, é o que permite.


O canto é sempre um bom lugar, conforta. É refúgio, personifica o anseio de solução ou a vontade de prolongamento de um estado físico ou emocional, ou ambos. Pense nas vezes em que estando aborrecido, cansado, apreensivo, com vontades homicidas ou piores, você dizia de si para si ou para outro: Tudo o que eu preciso é ficar sozinho no meu canto.

Isso vale para as situações boas, claro. Você está muito feliz, sozinho ou não, e qual a vontade? Permanecer ali naquele canto, com aquelas sensações.

Seja bem vindo este Canto é nosso.

Ronaldo Dias